Rio Cachoeira

Vô Cachoeira

Pelas águas de um rio....
                                       (Por: Rio Cachoeira)

“Convivi muitos anos com os indígenas: Aimorés, Tupiniquins, Guerens e outros que a memória não me deixa lembrar. Eles me chamavam de “kekata”. Nas minhas águas se pescava até de mão; era tanto “maham” que não dava pra contar: tilápia, rubalo, pitu, curuca e muitas espécies que faz tempo que não vejo.
Nas minhas margens tinha paca, tatu, jacaré e sempre apareciam umas onças pintadas pra beber água... Mas tudo mudou em 1535. Foi quando Sua Majestade D. João III assinou, lá pelas bandas de Portugal, a Carta Régia.
Dias após esse decreto chegou em minha foz um homem chamado Francisco Romero, que vinha tomar posse dos 300 quilômetros de terras doadas por Portugal, juntamente com seus donatários e ouvidores da Capitania de São Jorge dos Ilhéus. De 1553 em diante começou a exploração das minhas águas, chegaram homens perversos como o Capitão João Gonçalves da Costa e João Amaro, que subiram além do Banco da Vitória matando todos os índios que encontravam pela frente. Ele matou muitos dos meus amigos em minhas margens... Me mancharam  de Sangue!
Os novos vizinhos saiam em expedições buscando chegar à minha nascente. Achavam que eu vinha das Minas Gerais!
Minha mãe se chama Colônia e nasce na serra de Ouricana, na cidade de Itororó. Meu pai se junta a ela lá pelas bandas de Itapé, se chama Salgado. Em Ilhéus eu tenho dois irmãos: o Santana e Fundão. Juntos formamos a dita Coroa Grande.
Passado este momento turbulento e triste, juntamente com os frades capuchinhos, começou a chegar gente de tudo quanto é lugar. Sergipano, libaneses, europeus e africanos, que formaram vários povoados, dentre eles: Banco da Vitoria, Cachoeira de Itabuna, Ferradas, Cachimbos, Catolé e outras.
O comércio na região era basicamente agrícola, mas muito intenso, se plantava de tudo: arroz, feijão, cana de açúcar, cacau, fumo, frutas e verduras, produtos que chegaram a ganhar medalhas de ouro nas exposições de Viena, Turim e na corte do Brasil.
A produção era tão grande que, no Banco da Vitória, foi criado o primeiro porto fluvial para escoar o que se produzia: era barco subindo e descendo. Nessa época, descobri que os “cara pálida” não eram tão ruins como os primeiros que conheci. Estes que aqui chegaram em 1857 em meio a mata desbravada. Eram homens de muito trabalho, que passavam dias na lavoura em busca do desenvolvimento do arraial de Tabocas. 

Surgiu, então, o vilarejo de Ferradas. Foi nessa época que iniciou o meu relacionamento com o que viria ser a minha amada Itabuna, que até então era chamada de Tabocas. Foi amor à primeira vista! Conheci homens de punho forte como Firmino Alves, migrante sergipano que chegou por estas bandas em 1857.
Firmino Alves foi o responsável pela discussão em torno da participação política do lugar diante de Ilhéus, dado a sua importância. Essas aspirações de autonomia motivaram o memorial assinado em 10 de maio de 1897 por Henrique Berbet Júnior, Manoel Misael da Silva Tavares, Ramiro Lidefonso de Ararújo Castro, Plínio Cardoso do Nascimento, José Fulgêncio Teixeira, Manoel Pereira Né, Henrique Felipe Wense, José Nascimento Moreira, Domingos Pereira da Silva, Hermínio de Figueirêdo Rocha, Pedro Prudente da Costa, Theodolino João Berbet e José Firmino Alves solicitando ao Conselho de Ilhéus a sua autonomia e conseqüente a elevação à categoria de Vila. Apesar das razões, o pedido foi negado. 
Nove anos depois, nova mensagem! Agora encabeçada por Firmino Alves - que prometia doar os terrenos para os edifícios da intendência, cadeia, fórum e o que mais fosse necessário – ela foi encaminhada diretamente ao governo do Estado, subscrita por um terço do eleitorado, solicitando a criação do município, quando este já contava com arrecadação superior a dez contos de réis e uma população estimada em 10 mil habitantes.

Em 13 de setembro de 1906 a lei n°. 692, foi "assinada pelo Governador José Marcelino de Souza e José Carlos Junqueira Ayres Moreira" desmembrando do município de Ilhéus da Vila de Tabocas, constituindo-a novo município e dando-lhe o nome de Itabuna.
Precisamente a 23 de novembro foram instalados a Vila e o Termo de Itabuna. A luta prosseguiu para transformação da Vila em cidade e conseqüente desligamento da Comarca de Ilhéus, o que veio a acontecer através da lei 807, de 28 de julho de 1910, sancionada pelo Governador João Ferreira de Araújo Pinho. A instalação ocorreu, solenemente, em 21 de agosto de 1910. Seu primeiro governante - denominado então intendente - foi o Engenheiro Olinto Batista Leone.
A partir daí, Itabuna cresceu e se desenvolveu rapidamente, e eu, aos poucos, fui sendo esquecido e utilizado apenas como um objeto. Hoje usado, modificado e sujo tenho em minhas margens esgotos sendo despejados  durante 24 horas. Para muitos sou apenas um canal, para outros apenas paisagem, lembranças de um passado que não volta.
Mas continuo meu curso, amando e admirando Itabuna, sendo para alguns sustento das famílias e para outros atração turística quando, por um milagre, aparece em minha margem uma capivara com seus filhotinhos. Minhas lembranças são de muita vida, vida esta que está sendo tirada aos poucos."

(Adaptação: Victor Aziz)